Casualmente, vi-me, de repente, como um discípulo do filósofo grego Aristóteles, peripateticamente pelo calçadão da Rui Barbosa e, ao encontrar Jorge Benzê, sair conversando sobre o momento cultural de Macaé. Desse papo peripatético saiu esta entrevista, combinada para fazê-la no espaço do Solar dos Melo no dia seguinte:
Armando Barreto - Benzê, em nosso encontro casual no calçadão da Rui Barbosa você expressou para mim uma certa tristeza em relação ao momento cultural de Macaé. Lamentando um vazio, algumas espaços que se fecharam, como o popular bar do Zé Mengão, do Ivair, o Manhattan e encontros musicais mais intimistas que não acontecem mais. É isso mesmo?
Jorge Benzê - Olha, quando cheguei a Macaé há uns 15 anos, eu me apaixonei pela cidade e buscava exatamente o que eu vi que estava se perdendo no Rio de Janeiro, onde morava, que era a Lapa, onde encontrava meu refúgio cultural, na Quintino Bocaiuva. Eu frequentava Cascadura, Oswaldo Cruz, onde havia aquela bela boemia, aquelas rodas de samba que ainda não tinham perdido a tradição popular. Aqui, conheci o Marcos Kolling, que me levou no bar do Sadi, ali na antigamente os macaenses chamavam de rua da Estação. Não sei se você lembra, quando caia uma teia de aranha no copo o freguês seria privilegiada por muitos anos. Então, algumas coisas que estavam deixando de acontecer lá no Rio eu vi acontecendo aqui em pleno desenvolvimento do petróleo. Mas, com o passar do tempo, fui vendo que os bares que a gente frequentava, encontro de políticos, sambistas e jornalistas, deixaram de existir. Inclusive fiz um samba que falava sobre os bares da cidade, como do Boi Capeta, do bar do Sadi, bar de Ivaí, que faleceu, e até do Zé Mengão. Um que ainda resiste bravamente é o Bico da Coruja. Esse progresso paradoxalmente está trazendo uma proletarização, um empobrecimernto cultural. Acho que estamos virando uma princezinha da Baixada Fluminense, não vai aí nenhuma discriminação.
- Com o esvaziamento do centro da cidade, resta a orla da praia com seus bares e restaurantes.
Benzê - Bem, mas não é exatamente um lugar onde se curte o ambiente musical aconchegante e intimista que me atraí, por exemplo. As pessoas vão lá para comer e beber. Não há um espaço em que a nata intelectual se reuna. A velha guarda não tem local adequado para trocar e curtir sua arte.
- O que está mais em voga em Macaé na arte musical?
Benzê - Por incrível que pareça, em gênero musical o choro talvez seja a maior vertente, porque alguns grupos, depois de passar pelo Bico da Coruja, se espalharam pela cidade e mantendo essa tradição. Como Viriato Figueira da Silva, que tocou com Chiquinha Gonzaga, era macaense e Benedito Lacerda também, acaba existyindo um movimento que mantém essa tradição. Fora isso não estou vendo muita coisa não. Em relação ao samba acho extremamente pobre. A professora Maria Luiza Urquiza vem tentando manter, com muita luta, uma vertente cultural com seu trabalho no Sesi.
- Você falou sobnre a indústria do petróleo, onde o dinheiro corre. A iniciativa privada, as empresas, fora o poder público, você interesse nesse campo injewtando recursos?
Benzê - Não consegui ainda visualizar isso. Não sei se é falta de interessa delas ou de um estímulo político para conjugar esforços nesse sentido. Mas, infelizmente, político está interessado em movimento de massa, em música popular brasileira que atrai multidão.
- E aqui no Solar dos Melos, a coisa está andando devagar?
Benzê - Não! Tive uma conversa com o Ricardo Meirelles e estamos buscando a reativação do Café Literário, agora com um outro nome: "Isopor Cultural".
- O que significa isso?
Benzê - Estranho, mas é uma forma prática e descontraída para atrair aqueles que gostam de oucvir música bebericando. Cada um vai poder trazer seu isopor com sua bebida e sua bagagem cultural. Vamos inaugurar essa ideia no dia 23 de julho, numa sexta-feira, às 19h. Um espaço, onde a gente, uma vez por mês, possa discutir, expor e apreciar nossos dons musicais e poéticos.
- Você é compositor, cantor e também gosta de um instrumento, não é?
Benzê - Tento ser um cantor, mas sou mais compositor e castigo um pouco as cordas do violão. Mas a idade chega e a gente, com cabelos e barba branca, fica mais seletivo e fazendo algumas restrições. Justamente por falta de cultura boa parte da juventude brasileira se movimenta em outras áreas, perdendo o respeito pelos mais velhos, os mais antigos que procuram manter os valores que a tradição legou aos mais novos.
- Pois é, essa forma, por exemplo, de um jovem chamar o mais velho de coroa, traz uma conotação de desprezo, de desvalorização, de "você já era", não é?
Benzê - Exatamente. Nosso país está tão entranhado nisso que precisamos de Estatuto do Idoso, do Estatuto do Adolescente para definir limites.