Por trás dessa garimpagem ao longo do tempo, colhendo fotos dos antigos casarões e solares, o artesanato caseiro expressando a cultura local, a habilidade profissional dos trabalhadores, obras pictóricas, documentos cartoriais desde o Império e registrando depoimentos dos mais antigos, há gente muito especial, Helianna Barcellos, uma mulher de fibra, guerreira na defesa da natureza, que traz nas entranhas um profundo amor à terra onde deixou seu cordão umbelical.
Ela nasceu na Vila Operária e teve como herança genética as qualidades do pai, um homem de espírito dinâmico, curioso e amante do saber, com capacidade laboral polivalente, um autodidata que enriqueceu seus conhecimentos com um “professor mudo”, ou seja, um velho dicionário que constantemente consultava. Foi admirado orador e, tão interessado nas atividades culturais da comunidade, chegou a criar um jornal, divulgando as atividades esportivas, musicais e os eventos sociais.
Mas com sua economia centrada na monocultura da cana e ainda distrito de Macaé, Quissamã, quando Heleninha nasceu em 1936, só contava com o ensino primário. Por isso, após a quarta série, seus pais resolveram mandá-la para Macaé, alojando-a numa pensão para meninas, onde fez admissão e ingressou no velho Ginásio Macaense, localizado em frente ao Cine Teatro Santa Isabel, que a administração pública não conseguiu preservar. Com brilho nos olhos, lembrou de alguns jovens que foram seus colegas, como Marcelino Pereira e Helcio Mussi, e os professores padre Jason, Pierre Tavares, Jacira Duval, Letícia Carvalho, Léa Tatagiba e Miguel Ângelo.
Em 1949, a família se muda para Niterói, então capital da Velha Província. Lá casou e da habilidade em corte e costura para noiva descobriu a pintura, especializando-se na fina arte sobre porcelana, com muitas obras que a levaram a participar de várias exposições, chegando a expor trabalhos em Houston (Shamrock Hilton), onde se encontrava com a filha para tratamento de saúde.
O amor a terra fê-la retornar com mais assiduidade na década de 70. Diz que ao andar pelas ruas e conversar com as pessoas sentiu um vazio, um vácuo cultural, um ar de desânimo, pois parecia que a comunidade alimentava uma certa vergonha pela decadência. O apogeu do açúcar, embora ainda com resquícios escravocratas pós-abolição, agora não somente de negros, foi ficando para trás. O lugar, que chegou a ter moeda própria cunhada pela Usina Central (estranhamente 10% mais valorizada do que o dinheiro do país na hora da troca), dominando o trabalho e o comércio, ficou com sua identidade submersa. Lamentou Helianna, afirmando que estava faltando trazer à luz a verdadeira história do povo, da cultura africana, da gente simples, acolhedora e trabalhadora que ela viu nascer e ali permaneceu. A história dos viscondes e barões estava escrita e ela já conhecia bem, não a empolgava.
Daí surge uma forte inspiração, a motivação para voltar e lutar pelo resgate da história, buscando o acervo em instituições, residências e no patrimônio arquitetônico um tanto arruinado, além de colher reminiscências populares com os mais antigos. Através de sua pintura em porcelana retratou cenários, casarões, utensílios e instrumentos, obras da criatividade local, que marcam a vida do lugar no tempo. Só de atividades profissionais foram catalogadas 70 (setenta), a maioria não existe mais. Até esteiras de taboas, feitas pelas mulheres dos operários, eram vendidas e usadas pela usina para ajudar no resfriamento de tubulações e equipamentos, pois absorviam e conservavam água em abundância.
Com esse rico acervo obtido, dona Heleninha foi mais à frente. Com o apoio da família, resolveu adquirir um terreno na Estrada do Correio Imperial e logo levantou uma bela obra com 400 m2, em meio à restinga preservada, que se transformou no “Espaço Cultural José Carlos de Barcellos”, homenageando seu esposo falecido. E penetrando mais ainda na alma de sua gente, ela fez praticamente uma radiografia histórica, desenhando o mapa da cidade sobre azulejos e nele foi identificando as ruas e a residência das antigas famílias, fazendo questão de citar a profissão de cada um dos chefes.
Quem quiser conhecer essa bela história de Quissamã, contada e exposta com muita organização através de fotos, documentos originais, materiais como telhas e tijolos dos tempos imperiais, instrumentos musicais, moedas, utensílios, coleções de pintura em porcelana, e ainda num silencioso e agradável lugar, é só ligar para dona Helianna Barcellos (22-2768-1365 e agendar uma visita.